A Vida e a Obra de Cândido Portinari
Reprodução
"Os Retirantes" (1944)
Para conhecer o conjunto da obra do pintor de Brodósqui, comece, se puder, rumo a dois museus paulistanos que apresentam obras de Portinari de forma permanente. O Masp (Museu de Arte de São Paulo) tem em sua coleção algumas das mais relevantes peças do artista, como "Os Retirantes" (1944), "Enterro na Rede" (1944) e "O Lavrador de Café" (1939), enquanto a Pinacoteca do Estado apresenta uma de suas peças mais exibidas em exposições no exterior, "O Mestiço" (1934). Em ambos os locais, é possível constatar a forte presença social da obra de Portinari, que, no entanto, nunca deixou de lado a questão formal de suas construções.

Fabiana Beltramin/Folha Imagem
"A Colona" (1938)
O roteiro de perseguição a Portinari é, em São Paulo, bastante amplo. Outra instituição com um bom acervo sobre o pintor é o Instituto de Estudos Brasileiros da USP, que expõe permanentemente as principais obras da Coleção Mario de Andrade, como "A Colona" (1938) e "Retrato de Mario de Andrade" (1935). São trabalhos que pertenceram ao escritor paulista, o que representa um "plus" na história das obras. Há também o Memorial da América Latina, que, em seu Salão de Atos, abriga o painel "Tiradentes" (1948-49) e é uma das marcas importantes de Portinari —até 30 de dezembro, apresenta a exposição "Portinari e o Painel de Tiradentes: o Processo de Criação", que traz 18 réplicas dos estudos do pintor para o painel, encomendados por Oscar Niemeyer, além de fotos do pintor enquanto executava a obra e cartas trocadas entre ele e o arquiteto.

Finalmente, ainda na capital paulista, é possível conhecer um Portinari sem seus contornos sociais e de uma simplicidade rara: a tela "Floresta e o Veado" (1938), que está na mostra permanente do Museu da Casa Brasileira. A obra foi encomendada, na década de 40, pelo ex-prefeito de São Paulo Fábio da Silva Prado (1934-1937), que então morava na casa, hoje sede do museu.

Vailton Silva Santos/Folha Imagem
Igreja de São Francisco
Percorridas as principais instituições de São Paulo, é hora, para quem pode, de circular por outros locais no Brasil nos quais Portinari apresenta obras importantes. A primeira visita merece ser feita à igreja de São Francisco, na Pampulha, em Belo Horizonte (MG). Projetada por Oscar Niemeyer em 1944, a igreja contém um mural sobre a vida de são Francisco assinado pelo pintor.

Reprodução/Folha Imagem
"Café" (1935)
Depois de Minas, a próxima visita deve ser ao Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. A instituição apresenta, em caráter permanente, a tela "Café" (1935), um dos marcos da obra de Portinari, pois foi premiada na Exposição Internacional de Pintura do Instituto Carnegie, de Pittsburgh (EUA), em 1935.



Ainda no Rio, não se pode deixar de visitar os murais do Ministério da Educação e Saúde, marco arquitetônico do modernismo no país, projetado pela notável equipe composta por Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Reidy, Jorge Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcelos, com a supervisão de Le Corbusier. Para o edifício, Portinari criou os murais em azulejos, para os quais Vinicius de Moraes criou o poema "Azul e Branco", as cores da obra.

O roteiro no Rio merece incluir também uma visita à exposição "Castro Maya, Colecionador de Portinari", a ser aberta em novembro, no Museu Chácara do Céu, no bairro de Santa Tereza. O museu foi uma das residências do empresário e mecenas Raymundo Ottoni Castro Maya (1894-1968), considerado o maior colecionador privado de Portinari. Na mostra, estarão as cerca de 200 obras de Portinari que compõem o acervo da instituição, entre óleos, desenhos, gravuras e ilustrações, como as feitas nos anos 40 para os livros "O Alienista" e "Memórias Póstumas", ambos de Machado de Assis, um trabalho valioso de colaboração entre artes plásticas e literatura.

Como preparação para as visitas ou viagens, o leitor pode se aventurar em vários livros sobre Portinari. Um dos mais didáticos é "Cândido Portinari", de Annateresa Fabris (Edusp, 194 págs., R$ 49,50), que apresenta um percurso completo da carreira do pintor. Da mesma autora, há ainda "Portinari, Pintor Social" (Perspectiva, 147 págs., R$ 21), que explora sua faceta mais importante. Mais poética é a publicação do escritor e jornalista Antonio Callado "Retrato de Portinari" (Paz e Terra, 188 págs., R$ 29). Outro texto importante sobre o artista está em "Dos Murais de Portinari aos Espaços de Brasília", do crítico Mario Pedrosa (Perspectiva, 421 págs., R$ 19), que faz uma análise vibrante dos trabalhos em grande escala do pintor.

Fique de olho no lançamento do catálogo "raisonée", isto é, completo, "Candido Portinari - Obra Completa", previsto para estar nas livrarias no próximo mês pela editora do Projeto Portinari. A obra, organizada pelo filho do artista, João Candido, é o resultado de 24 anos de um trabalho de levantamento, catalogação e pesquisa, não só no Brasil mas em mais de 20 países das três Américas, da Europa, da África e do Oriente. Ocupando cinco volumes de 512 páginas cada um, esse será o primeiro catálogo com essas características em toda a América Latina. Uma outra opção de catálogo, menor em envergadura, é o "Candido Portinari (1903-1962)", da Edições Pinakotheke (104 págs., R$ 45). Cliqueaqui para ver uma galeria de imagens desse livro.

Portinari foi um homem integrado ao seu tempo e, por isso, qualquer relação de publicações sobre ele precisa conter livros que analisem o contexto dos anos 30 e 40 no país. Recentemente reeditado, "Arte para Quê", de Aracy Amaral (Studio Nobel, 434 págs., R$ 45), faz justamente essa tarefa, com a perspectiva de valorizar a produção engajada no país. Portinari é também analisado em "Arte Internacional Brasileira" (Lemos Editorial, 311 págs., R$ 55), de Tadeu Chiarelli, numa pesquisa ampla sobre marcas da produção nacional. De forma mais ampla, "Latin American Art in the Twentieth Century" (Phaidon, 352 págs., importado) apresenta um complexo panorama da produção na América Latina, com um texto de Ivo Mesquita específico sobre a produção brasileira.

A internet também oferece boas opções para conhecer mais sobre o pintor. O site do Projeto Portinari (www.portinari.org.br) apresenta, no momento, 500 das 4.700 obras atribuídas ao artista e uma vasta gama de informações indispensáveis. Outro endereço importante de consulta está disponível no site do Instituto Itaú Cultural (www.itaucultural.com.br), em sua enciclopédia de artes visuais. O verbete sobre o artista apresenta 93 imagens, além de biografia e textos auxiliares.

Finalmente, uma tarefa mais difícil: ficar de olho nas mostras de cinema, pois o filme sobre o pintor, o curta "Candido Portinari, o Pintor de Brodósqui" (1968), de João Batista de Andrade, não é fácil de encontrar e só tem sido exibido em mostras ocasionais. Mas é, por incrível que pareça, a única produção cinematográfica sobre Portinari. 



Caminho das Pedras: Influências múltiplas

Por que um dos mais populares artistas plásticos do Brasil, senão o mais popular, Candido Portinari (nascido em 30 de dezembro de 1903), tem uma discreta comemoração de seu centenário? O Museu de Arte Moderna de São Paulo apresentou, de julho a setembro passado, uma pequena exposição intitulada "Portinari Cem Anos - Alegorias do Brasil", com cerca de 30 obras, e o Rio recebe, no próximo mês, "Castro Maya, Colecionador de Portinari", no Museu Chácara do Céu, com as 200 obras do acervo da instituição. É pouco para as 4.700 obras produzidas pelo artista. Mesmo com a programação do centenário estendida para 2004, o que inclui novas mostras, é ainda modesto perto da obra de Portinari.

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"O Lavrador de Café" (1934)
Provavelmente, isso ocorre pela sua popularidade e pela sua vinculação com o governo Getúlio Vargas, fatos que levaram a crítica a olhar seus trabalhos com má vontade. Ser chapa-branca é sempre marca negativa. Mas será mesmo?

A carreira artística de Portinari é uma das mais impressionantes do país. Há cerca de 80 anos, a cidade paulista de Brodósqui, onde o artista nasceu, recebia um pintor para decorar a matriz local. Portinari, então um rapazinho, foi logo espiar e, segundo o poeta Manuel Bandeira, de "mirone passou a ajudante e começou pela primeira vez a mexer com os pincéis".

Com 15 anos, Portinari mudou-se para o Rio. Lá, a partir de 1918, estudou na Escola Nacional de Belas Artes, durante um longo período de dez anos. Nos anos 30, questões brasileiras tornaram-se seu principal tema, justamente no segundo momento do modernismo do país, quando a linguagem moderna já estava assimilada e a identidade nacional era um tema a ser elaborado.

Portinari, um membro do Partido Comunista, incorporou em suas obras, então, as classes trabalhadoras, os tipos nacionais, como índios, negros e mestiços, e heróis, como Tiradentes. Sua tela "Café", com trabalhadores na lavoura cafeeira, ganhou a segunda menção honrosa na Exposição Internacional de Pintura de 1935, do Instituto Carnegie (EUA).

A partir de então, Portinari torna-se pintor oficial e passa a realizar vários murais e painéis externos de azulejos, como no Ministério da Educação, da equipe liderada por Oscar Niemeyer, no Rio, em 1943, e na igreja de São Francisco, na Pampulha, em Belo Horizonte, em 1944, do mesmo arquiteto. Visto dessa forma, Niemeyer seria também chapa-branca, mas o arquiteto continua cada vez mais badalado e admirado...

Talvez, então, o estilo variado de Portinari, que incorporou elementos de muralistas mexicanos, como Diego Rivera e José Clemente Orozco, e do cubismo de Picasso, também tenha incomodado certos críticos. Não a Mario Pedrosa (1900-1981), um dos mais influentes pensadores da arte nacional século 20. "O mestre brasileiro não carece de truques para impor-se ou ser compreendido", escreveu Pedrosa sobre o artista.

Na década de 40, o reconhecimento internacional alcançou um vulto que, só nos últimos dez anos, artistas brasileiros voltaram a reconquistar. Portinari foi o primeiro artista nacional a ter uma retrospectiva no Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1940, e o primeiro a ter obras adquiridas pela instituição. A mostra do MoMA seguiu para 18 outros espaços expositivos de várias partes dos Estados Unidos. O auge no exterior ocorreu em 1956, com a inauguração dos painéis "Guerra e Paz", na sede da ONU, em Nova York, quando o pintor recebeu o prêmio Guggenheim.

A dedicação à arte acabou sendo cruel para Portinari, que morreu em 1962, vítima de envenenamento crônico provocado pelo contato com as tintas a óleo. Oficialesco ou não, Portinari foi um dos responsáveis pela criação de uma imagem do Brasil que alcançou rara repercussão e, hoje, é patrimônio do país, seja do ponto de vista formal, seja a partir do conteúdo de suas obras.


FONTE: FABIO CYPRIANO/Folha de S.Paulo

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